top of page

Essência e Verdadeiro Eu

  • Foto do escritor: Hudson  de Pádua Lima
    Hudson de Pádua Lima
  • 24 de ago. de 2023
  • 3 min de leitura

Invariavelmente, em todas as mídias de super-heróis, surge aquele fatídico momento de crise. É quando o protagonista não possui mais forças para continuar a luta e perde a fé em si mesmo. Muitas vezes, essa descrença o leva a perder também seus poderes, agravando ainda mais a situação.

Os poderes de um super-herói atuam como metáforas de sua natureza essencial. Por exemplo, fogo ou eletricidade frequentemente expressam uma personalidade assertiva, dominante e expansiva. Já a água indica alguém mais maleável, compassivo e sentimental. A terra, por sua vez, é a marca de indivíduos práticos, solidários e proativos. O mesmo raciocínio vale para outros elementos. Em histórias onde a personagem manipula magia, a cor da energia projetada revela essa essência, cujo significado varia dentro de cada universo. No mundo de Harry Potter, verde é a cor da Maldição da Morte, enquanto em Star Wars é a cor dos sabres de luz dos Jedi, os cavaleiros da ordem.

Contudo, o herói ou heroína nunca está sozinho(a) em sua queda; ele ou ela conta com parceiros, apoiadores, um mestre ou professor, diversos guias e ajudantes angariados ao longo da jornada. Senão fisicamente, sua presença faz-se de forma simbólica, no mundo interior. Visões, alucinações ou experiências de quase morte o relembram, por meio dessas vozes amigas, de quem o protagonista realmente é. Ao reafirmar sua identidade, a confiança em Si Mesmo é recuperada, assim como seus superpoderes, agora em sua potência máxima.

Entretanto, na vida “real”, desprovida de superpoderes, como descobrimos nossa essência e abraçamos o nosso Verdadeiro Eu?

Na Psicologia Junguiana, diferenciamos o Ego (nosso Eu consciente, vivenciado no cotidiano) do Self (a totalidade do Eu, suprapessoal). O Ego é uma construção biopsicossocial, atuando como interface entre o indivíduo e o mundo habitado por outros indivíduos. A partir do Ego, temos a possibilidade de vivenciar subjetivamente o mundo objetivo - organizamos, filtramos e selecionamos alguns estímulos em detrimento de outros e, no final, acreditamos participar de uma mesma experiência coletiva, dentro da qual somos agentes livres e conscientes. Porém, isso está longe de ser verdade. Basta tocar uma música em uma sala com dez pessoas para que cada uma delas descreva sentimentos, sensações, pensamentos e associações completamente distintas. E muitas outras possibilidades certamente poderiam se apresentar.

Se fosse possível reunir todas as experiências humanas imagináveis, tanto as registradas na história quanto as sonhadas na ficção científica, passado e futuro, essa soma representaria a totalidade do Self. Self pode ser traduzido do inglês como Si Mesmo. De forma paradoxal, ele é o Todo; todavia, como a própria palavra sugere, também é a essência profunda e intrínseca encontrada em cada indivíduo. Isso significa que somos todos iguais na diferença, afinal. Ou diferentes na igualdade. Ou ainda, feitos à imagem de Deus. Na linguagem psicológica, afirmamos que o Ego se constitui à imagem do Self.

Assim, na vida fora da ficção, essa essência hipotética é uma abstração, um construto teórico. Ela não se faz eliminando do Ego tudo aquilo que não lhe pertence verdadeiramente, peneirando a lama até que só reste algumas gramas de ouro. Pelo contrário, ela é a soma idiossincrática de todas as nuances subjetivas de uma pessoa, o modo único como a vida se fez naquele indivíduo. No conjunto da obra, todos somos uma combinação original e irreproduzível de circunstâncias - corpos, biografias, genéticas, histórias, geografias, culturas, escolhas, formações, sonhos…

À beira da morte, na ficção, o super-herói não tem editadas e excluídas as “piores” cenas quando vê o filme de sua vida passar diante dos olhos. Culpa, vergonha, medo, raiva, orgulho e ódio fizeram com que ele chegasse àquele derradeiro momento tanto quanto o amor, a esperança, a coragem, a fraternidade, a bondade e o altruísmo. Isso não quer dizer que não há diferença entre cultivar vícios ou virtudes; estas com certeza são preferíveis, mas elas só existem à luz dos primeiros. O contraste possibilita a consciência. Animais não são bons nem maus, apenas são, já que vivem no estado original, sem contraste e, portanto, não podem ser conscientes, pelo menos não do mesmo modo autorreflexivo e pensante que nós.

Assim, o Verdadeiro Eu se revela na autenticidade da experiência individual. Não seria necessário esforço ativo para encontrá-lo, conquanto não fossem impostas resistências e censuras à plenitude das possibilidades vivenciais. Porém, como a vida civilizada exige ordem e restrição individuais em prol da coletividade, é preciso empreender uma jornada ativa em busca de uma solução criativa para essa questão insolúvel. Como uma meta, não é um objetivo literalmente alcançável, mas como inspiração poética, é o que pode nos fornecer propósito e sentido.


Hudson de Pádua Lima

Psicólogo 06/165910

São Carlos (SP)


 
 
 

Comments


2025 por Psicólogo Hudson P. Lima.

  • Instagram
bottom of page